Era o final da década de 80, e minha família já havia se instalado na famosa vila de Plácido de Castro. Embora já fosse um município, era assim que todos chamavam o lugar naquela época. Nossa família era grande, composta por nove pessoas, a maioria ainda crianças.
Vivíamos em condições humildes, e essa realidade nos tornava invisíveis para a sociedade placidiana. Não éramos bem vistos: pobres, feios, vestidos com roupas velhas e chinelos doados, que geralmente eram grandes demais para os nossos pés. Enquanto isso, uma elite granfina prosperava na vila, composta por políticos, comerciantes, seringalistas e moradores da vila militar, que organizavam festas luxuosas de aniversário, casamentos e Natal. Nós, claro, nunca fomos convidados.
O único evento em que éramos bem-vindos eram os velórios. Sim, velórios. Lá, a gente entrava, tomava café e, às vezes, até comia alguma coisa. Para nós, crianças, velórios eram eventos chiques, os únicos que conhecíamos.
Eu e meus irmãos vivíamos sonhando em participar daquelas festas cheias de fartura, com balões coloridos, cadeiras bem arrumadas e muita comida. Quando passávamos em frente a uma casa onde acontecia um evento, nossos corações aceleravam. Imaginávamos como seria estar lá, se não fôssemos tão pobres e tão diferentes dos outros.
Dentre nós, meu irmão Toin sempre foi o mais ousado. Ele não se intimidava e, muitas vezes, entrava de bicudo nas festas. Lembro de uma vez em que ele se aproximou da mesa do bolo e, sem hesitar, disse:
— Ei, senhora, minha mãe tá pedindo um pedaço desse bolo!
Na maioria das vezes, ele conseguia um pedaço, mas houve ocasiões em que era enxotado com palavras duras. Uma vez, em uma festa de uma política renomada, ela olhou para ele com desdém e perguntou:
— Quem é tua mãe que eu não conheço?
Com a cabeça baixa, ele respondeu:
— É aquela que mora atrás do campo de futebol.
A mulher suspirou, deu-lhe um pedaço de bolo e mandou:
— Vaza daqui, menino! Tu tá sujo e fedorento.
Apesar do constrangimento, ele saiu todo contente, orgulhoso de ter participado de um evento da “alta sociedade”.
Um dia, surgiu o evento mais esperado da vila: o aniversário da filha primogênita de um militar. Era a festa mais badalada, com detalhes luxuosos que encantavam a vila inteira. Meu irmão tinha um único sonho: participar dessa festa. Ele dizia que, se tivesse que escolher entre ir para a Disney ou para o aniversário da menina, escolheria o aniversário sem pestanejar.
E Deus, que nunca desampara os humildes, fez sua mágica. Toin, com toda sua ousadia, fez amizade com a esposa do militar, uma jovem senhora conhecida por sua simpatia. Ele a ajudava em tudo, sempre prestativo, quase como um ajudante oficial. Até que, um dia, ela lhe entregou um convite com seu nome escrito.
Toin mal podia acreditar. Correu para casa aos pulos, com o coração acelerado.
— Mamãe, a senhora não vai acreditar! — gritou ele, ainda na porta.
Minha mãe, lavando louça no girau, virou assustada:
— Que foi? Alguém morreu? Onde é o velório?
— Nada disso, mamãe! Fui convidado pro aniversário da filha do militar!
Mamãe pegou o convite, leu e, após um silêncio, disse:
— Menino, tu acha que pode ir a um evento desses? Primeiro, tu não tem roupa decente, e teu conga tá rasgado. O povo de lá é tudo chique, metido a besta. Acho melhor tu esquecer essa ideia.
Toin chorou, implorou, mas mamãe foi firme. Ele foi dormir inconformado, mas, ao que parecia, desistiu da ideia.
No dia seguinte, vestiu sua melhor roupa – uma calça de tergal, uma camisa listrada e o mesmo conga rasgado – e foi para a rodoviária, onde vendia brinquedos para ajudar em casa. À noite, não voltou para casa. Já sabíamos: ele tinha ido para o tão sonhado aniversário.
Quando chegou, lá pelas oito, trazia um prato com bolo e doces e um presente nas mãos. Mamãe, irritada, perguntou:
— Onde tu tava, cabra safado?
Ele respondeu, com o maior sorriso do mundo:
— Mamãe, fui no aniversário da filha do militar. Comi, bebi, ainda ganhei esse presente e trouxe bolo pra senhora.
Mamãe, diante da felicidade genuína do menino, desistiu de brigar. Ele foi dormir radiante, e nós entendemos que, naquele dia, Toin não foi apenas um garoto pobre e esquecido da vila. Ele se sentiu “gente”, valorizado, parte de algo maior.
Para nós, naquela época, aquilo era mais do que uma conquista. Era um pequeno milagre.
Por : Adma souza