Falecido aos 91 anos, em 29 de maio de 2020, o cantor e compositor romântico Evaldo Gouveia, famoso por sucessos como “Sentimental Demais”, “Alguém Me Disse”, “O Que Queres Tu de Mim” e outros imortalizados principalmente pela voz de outro gigante da música brasileira, Altemar Dutra, tinha uma relação de amor e ódio com o Acre. A história é contada por quem a viveu bem de perto, o advogado acreano Sálvio Montenegro, de 82 anos, que vive em Manaus (AM).
Nascido em Rio Branco, Salvio e seu irmão Silvo Montenegro, já falecido, travaram contato com o futuro artista que seria interpretado por ícones da Música Popular Brasileira como Nelson Golçalves, Altemar Dutra, Gal Costa, Wilson Simonal, Ney Matogrosso, Vinicius de Moraes, Gal Costa e outros, ainda jovens, nos idos dos anos de 1959/1960. “Eu, morando e estudando na Cidade do Rio de Janeiro, Bairro do Flamengo, Rua Silveira Martins, n°140, entre as Ruas do Catete e Bento Lisboa. Nessa altura da Rua, existe uma pequena Tavessa chamada de Carlos Sá, e que na Esquina oposta, havia uma pequena casa com dois Pisos, que os três jovens amigos, vindo do Ceará, tentar vencer como cantores, e venceram com o seu Trio Nagô, e que respondiam pelos seguintes nomes: Evaldo Gouveia, Epaminondas Souza e Mário Alves”, conta o advogado.
“Foi quando eu conheci e me relacionei com o Evaldo Gouveia, este nascido no Município de Orós, Estado do Ceará”, acrescenta Montenegro. “Voltei para o Acre, e o tempo passou, quando numa bela tarde de domingo, já no ano de 1973, eu, juntamente com mais três amigos, Hermano Diógenes (Manoca”) e Rufino Farias Vieira e mais um terceiro, cujo nome me foge da lembrança, fomos para um balneário chamado de Boa Água, tomar uma cerveja gelada em dia de calor”.
O “Boa Água” ficava mais ou menos onde hoje é a Avenida Ceará, onde está fincada a loja de material de Construção “Agroboi”, no Bairro 7º BEC. Ali, na época, havia um belo açude e na pequeno bar construído em madeira, que fazia parte duma Fazendola de propriedade de um certo Augusto Gouveia, um dos muitos cearenses que vieram tentar a sorte no Acre como Soldado da Borracha e que, depois de muito anos no corte de seringa, estava no arremedo de cidade tentando ganhar a vida como comerciante.
Com a palavra, de novo, Sálvio Montenegro com o restante da história: “Lá pelas tantas, nós tomando cerveja e wysky, tirando o gosto com cará frito na hora, quando o senhor Augusto Gouveia aproximou-se da nossa mesa, e trazendo uma edição da então famosa Revista O CRUZEIRO, nos mostrou uma reportagem nas duas páginas centrais, do dito Trio Nagô, com destaque para o seu líder, e sem rodeios nos disse: Vocês estão vendo esse rapaz, chamado Evaldo Gouveia, pois saibam que ele é meu filho”.
Foi um susto e uma admiração duvidosa, segundo descreve novamente Sálvio Montenegro. “À princípio, pensamos se tratar de uma boa gozação, mas, aí ele retrucou, dizendo que um “cearense na minha idade, não mente.” Foi então que tivemos a curiosidade de melhor ver a citada foto, e vimos que o meu amigo Evaldo Gouveia era o sósia do velho Augusto, aparentando ser uns 20 anos mais novo”, contou o advogado. “Aquela revelação tocou em mim e nos meus dois amigos, Manoca e Rufino Vieira, quando resolvemos tentar trazer o Evaldo Goveia à Rio Branco, para se encontrar com o seu velho pai”.
Sálvio Montenegro conta ainda que, partindo dali, o trio de amigos entrou em contato com o Evaldo. “Lhe expus a essa singular situação, o que a princípio o deixou desnorteado, chegando quase à não acreditar no que estava ouvindo, já que ele e sua família pensavam ou – melhor – tinham certeza de que o seu dito pai, há muitos anos tinha morrido, já que que ele, desde que tinha vindo para a Amazônia cortar seringa e prometendo que tão logo pudesse, voltaria ao Ceará para trazer sua mulher e seus três filhos, de 1, 2 e 3 anos, o que não o fez e também, jamais sequer deu notícias suas”.
Em seguida, os amigos conseguiram agendar um show do Trio Nagô no Clube Social Rio Branco. “Na data aprazada, num fim de semana, aconteceu o belo Baile/Show. No domingo, já estava antecipadamente marcado o pretendido encontro de pai e filho, sob a expectativa nada agradável, de que iríamos assistir um triste reencontro. No domingo, levei o Evaldo e seus colegas para um bom almoço, na casa da minha mãe Carmelita, e de lá partimos para o Balneário Boa Água. Nisso, eu fui na frente pra preparar o espírito do velho Augusto Gouveia. E cerca de trinta minutos, chegaria mais dois carros, o amigo Rufino Vieira e o outro, do Hermano Diógenes”, conta Sálvio.
No Balneário Boa Água havia um pequeno bar, medindo aproximadamente quatro metros de frente, por 10 metros de fundos. “Possuía a frente e as laterais gradeadas de ripas de madeira, com um pequeno portão de entrada, e na parte de fundo, um balcão com uma geladeira à querosene, já que na época não havia energia elétrica. Conforme o combinado, 30 minutos depois, chegou a pequena caravana. Aí, dentro do pequeno recinto, estava apenas o senhor Augusto, por dentro do pequeno balcão, portando um autêntico chapéu de couro, batido na testa, e a sua velha viola em cima do pequeno balcão. “Nisso, sozinho se aproximou o Evaldo Govueia adentrando uns três metros onde parou. Aí o seu pai abriu a cancelinha de acesso e ficaram os dois, à distância de uns dois metros um doutro, um olhar fixo. O silêncio era sepulcral, quase dando para se se ouvir o bater de asas de moscas e outros insetos tal a apreensão da pequena plateia entre atônita e ao mesmo tempo apavorada, à espera dum desfecho trágico, tal era a raiva que o Evaldo estava deixando transparecer”, conta o advogado, que testemunhou a cena.
“Mais ou menos passados cerca de três minutos, vimos sim, muitas lágrimas rolarem nas faces, daqueles dois seres humanos seguidas de fortíssimos abraços, certamente se perdoando mutuamente, e agradecendo à Deus pelo feliz e inesperado reencontro entre pai e filho, mostrando ao mundo que a força do sangue falou mais alto que sentimentos ofendidos”, concuiu Sálvio Montegro.
Natural de Orós, no interior cearense, Evaldo se mudou para Fortaleza aos 11 anos e, aos 19, já iniciava sua carreira musical, tocando em bares locais. Em 1950, formou o Trio Nagô, que se apresentou em capitais do Sul e Sudeste e abriu portas para que Evaldo se fixasse no Rio de Janeiro, a então capital do Brasil.
Autor de sucessos como Sentimental Demais, Alguém me disse, Deixe que ela se vá, Tango pra Tereza e até do samba enredo O mundo melhor de Pixinguinha, defendido pela Portela em 1974, Evaldo Gouveia teve suas composições – muitas em parceria com Jair Amorim – gravadas por entre outros grandes nomes da música brasileira.
O cantor e compositor cearense foi abatido pela Covid-19, no auge da pandemia em 2020, e partiu levando essa história em segredo.
fonte: contilnet