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Acre consolida Rota Solimões com mais de 8 toneladas de cocaína apreendidas em 10 anos

ByEdnardo

out 8, 2023 #drogas

Aumento de 600% da área plantada de coca em algumas regiões do Peru deveria provocar ações integradas entre governos e instituições. Nos últimos 10 anos, foram apreendidos mais de 8,2 mil quilos de cocaína no Acre. Apreensões contabilizadas apenas pela PRF e PF. Não estão nessa conta as apreensões feitas pelos órgãos estaduais de segurança. O governo brasileiro reage com a elaboração do Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, mas não articula reações que respeitem a geografia da Amazônia. E isso, claro, traz impacto sócio-econômico ao Acre, avaliado por economistas do Fórum Empresarial de Inovação e Desenvolvimento, coordenado pela Fieac, na quarta edição do “Boletim Econômico –  Perspectivas e Projeções”

Rotas Solimões

O Fórum Empresarial de Inovação e Desenvolvimento do Acre entra no debate sobre Segurança Pública. O ac24horas teve acesso aos dados parciais do “Boletim Econômico – Perspectivas e Projeções” que serão divulgados na terça-feira (10). Esta será a quarta edição da publicação produzida por economistas da Faculdade de Ciências Econômicas da Ufac. O retrato que os números apresentam não é animador.

Há dois pontos de análise no documento que merecem destaque. O primeiro é o fenômeno de “interiorização do crime”. O segundo ponto é uma informação positiva que alimenta um paradoxo: a diminuição do número de homicídios no Acre vem acompanhada do aumento expressivo da apreensão de drogas: entre 2021 e 2022, a taxa de apreensão de cocaína no Acre foi uma das maiores do país: foram exatos 3.051 quilos de cocaína apreendidos.

Como é possível haver redução no número de homicídios com aumento substantivo de apreensões de drogas? “(…) melhoria da ação policial ou trégua entre facções?”, provocam os pesquisadores que elaboraram o Boletim Econômico – Perspectivas e Projeções.

Para entender a dúvida dos economistas, é preciso fazer referência ao indicador que eles chamaram de “movimento criminal”. O objetivo dos economistas era identificar mudanças das manchas criminais no curto prazo.

Para isto, foi utilizada uma técnica chamada de “análise de componentes principais”: reduzir o volume de dados com perda mínima de informação. Dois resultados podem ser destacados.

Por exemplo: o indicador “movimento criminal” apresentou tendência de alta até 2017. Após esse período, há decréscimo da taxa, como fica demonstrado no gráfico (ver gráfico1).

“Nesse ponto, precisamos ter mais estudos porque os fatores causais da redução de homicídios não ficam evidentes ainda: foi por causa do quê? Melhor eficácia das forças policiais ou foi uma acomodação, um acordo, uma trégua entre as organizações criminosas?”, questiona Rubicleis Gomes da Silva, um dos acadêmicos que assina o estudo.

(Até 2017, taxa de homicídio no Acre com tendência de alta. A dúvida é: quais fatores explicam a queda da taxa na sequência?)

Interiorização do crime – A interrupção da tendência de queda nas taxas de homicídio ocorre à medida em que acontece o fenômeno da “interiorização”. Sendo mais claro: quando o número de homicídios e roubos começam a aumentar novamente, é quando os casos começam a explodir no interior do Acre. “Os municípios de Capixaba, Sena Madureira e Assis Brasil apresentaram taxas de homicídios alarmantes”, diz o boletim, conforme está evidente no gráfico a seguir.

(As setas vermelhas indicam a gravidade do cenário no município em determinado período)

Acre é destaque em taxa de apreensão de cocaína no país

Em 2021 e 2022, a taxa de apreensão de cocaína para cada grupo de 100 mil habitantes é uma das maiores do país, registra o Boletim Econômico – Perspectivas e Projeções. Um dos fatores destacados pelos acadêmicos é a localização geográfica do Estado do Acre.

Para entender o problema, é preciso perceber a migração do narcotráfico e o impacto que tem gerado. O gráfico a seguir (ver gráfico) mostra o aumento da área de cultivo de coca (folhas de coca) em algumas regiões do Peru, o maior produtor de cocaína do mundo, seguido por Colômbia e Bolívia em terceiro lugar. Com um detalhe: Equador e Venezuela também passaram a produzir folha de coca nos últimos anos.

(Aumento da área plantada de coca no Peru traz impacto para o Acre)

Em uma expressão: o Acre e boa parte do Amazonas estão cercados por uma cortina de produtores de cocaína.

Secretário de Segurança, Coronel Gaia explica a expressão “Rota Solimões” – Foto: Sérgio Vale

600% – O destaque está em Ucayali, província localizada na região nordeste do Peru. Faz fronteira com o Acre na capital da província, Pucallpa. É nesta região que existe a polêmica em torno da construção de uma estrada do lado acreano que integraria o Brasil e Peru por meio rodoviário no Vale do Rio Juruá. Em 2018, Ucayali tinha uma área de cultivo de folha de coca de 2,5 mil hectares. Ano passado, o número saltou para surpreendentes 14,5 mil hectares de plantações de folha de coca. Um aumento de 600%.

“E é claro que isso terá impacto em toda região, incluindo o Acre”, reconhece o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, José Américo Gaia. O gestor faz um paralelo do narcotráfico na região do Acre com o comportamento das águas dos rios na época de inverno amazônico.

Gaia faz um paralelo do narcotráfico na região do Acre com o comportamento das águas dos rios na época de inverno amazônico – Foto: Sérgio Vale

“Quando chove muito no Alto Acre, nós aqui em Rio Branco já esperamos, já nos preparamos para receber toda a água que vem lá de cima, não é?”, compara. “Assim é com o narcotráfico nessa região”.

A reação a esse cenário de aumento do cultivo da folha de coca no Peru guarda relação com a diplomacia: o Acre tem realizado encontros com autoridades em Segurança Pública bolivianas e peruanas. O último aconteceu em setembro deste ano, articulado pelo Ministério Público do Acre e reuniu autoridades do Brasil, Peru e Bolívia na cidade de Assis Brasil, na tríplice fronteira.

As ações mais eficazes têm ocorrido com a Bolívia, sobretudo na recuperação de veículos roubados que, geralmente, são trocados por cocaína por pequenos traficantes do Acre.

As autoridades em Segurança Pública do Acre focam ações de combate ao tráfico. É essa a prioridade. O tráfico de armas nessa região é, na prática, descartado. “Essa ideia de que há tráfico de armamento pesado, sofisticado, de última geração aqui na nossa fronteira não existe”, analisa Gaia.

Em 10 anos, PRF e PF apreendem 26,3 toneladas de cocaína no AC e AM

De 2013 a 2022, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal apreenderam 26,3 toneladas de cocaína nos estados do Acre e Amazonas, os dois corredores estratégicos da Rota Solimões. No Acre (ver gráfico), foram 8.248 quilos de cocaína vindos do Peru neste período de dez anos. Os órgãos federais, no Amazonas, registraram apreensão de 18.059,4 quilos, no mesmo período.

ac24horas se restringiu a abordar especificamente as apreensões de cocaína por se tratar do principal entorpecente produzido pelos vizinhos andinos, Peru e Bolívia. Outro detalhe muito importante: são apreensões exclusivas da PRF e da PF. Não estão contabilizadas as apreensões da droga realizadas pelas polícias civis e militares dos dois estados.

Isso significa que o problema é muito maior. Porque é preciso também estimar a quantidade de cocaína que consegue chegar aos destinos planejados, sobretudo o Sul e o Nordeste dos Estados Unidos e o mercado europeu. Não é uma estimativa simples. Até mesmo conseguir acesso aos dados oficiais apresentados aqui não é tarefa fácil.

Sobretudo no Acre, chama atenção a relação direta no aumento do volume apreendido de cocaína com o aumento da área plantada de coca no Peru, o maior produtor mundial.

(Aumento da área plantada de coca no Peru impactou apreensões no Acre, sobretudo nos dois últimos anos)

 “Todos os ‘caminhos’ levam ao Solimões”

O secretário Gaia explica a expressão “Rota Solimões”. Essa rota já é velha conhecida das autoridades em Segurança Pública. Ela está toda mapeada, tanto pelas autoridades públicas quanto pelos criminosos. Foi a disputa pelo domínio da Rota Solimões que causou rebelião e execuções no presídio de Manaus em 2017.

A questão é matemática: dominar o tráfico de cocaína na Rota Solimões é dominar parte significativa tanto do que circula da droga no país como também a que abastece o narcotráfico internacional, com destaque para o mercado europeu e Nordeste e Sul dos Estados Unidos.

“Passando pelo Acre, todos os ‘caminhos’ levam ao Solimões”, explica o secretário Gaia, fazendo um paralelo entre os rios e as estradas. “A situação do Acre ainda é relativamente simples, se comparada a outras regiões em que há o narco-garimpo, como ocorre nas terras indígenas yanomamis”.

Gaia já foi um dos coordenadores da Força Nacional em operações em TI’s Yanomamis por dois anos. “A Amazônia é um shopping de oportunidades para as organizações criminosas e o garimpo é o filé mignon desse comércio”.

Enfoc recebido com cautela por secretário

Na segunda-feira (2), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, lançou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc). A portaria 499, assinada pelo ministro, foi, na prática, uma reação midiática à crise de Segurança Pública porque passam os estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Foi assinada também uma portaria que define diretrizes do Programa Estratégico de Segurança Pública da Amazônia. Esse conjunto de formalidades e protocolos não alimentou otimismo no secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, José Américo Gaia. “É uma resposta política do Governo Federal em função do desgaste com os cenários da Bahia e Rio de Janeiro. É eminentemente política”, avalia Gaia.

Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, lançou o programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) – Foto: Reprodução

Passados seis dias do lançamento do programa, nem a Comissão de Segurança Pública do Senado, presidida pelo senador Sérgio Petecão (PSD/AC), havia recebido a íntegra do documento que, segundo o ministro em declaração no evento, tem cerca de 80 páginas.

Até o momento, o Enfoc se resumiu às falas de solenidades que trataram das ideias de “obter uma visão sistêmica das organizações criminosas” ou do trabalho institucional mais integrado.

O programa prevê investimento de R$ 900 milhões e está estruturado em três ciclos: 2023/2024; 2024/2025; 2025/2026, divididos em cinco eixos de atuação: interação institucional e informacional; eficiência de órgãos policiais; trabalho em portos, aeroportos e fronteiras; eficiência do sistema de Justiça; cooperação entre os entes.

As fontes de recursos serão: Fundo Nacional de Segurança Pública; Fundo Penitenciário Nacional; Fundo Nacional Antidrogas; Fundo da Defesa dos Direitos Difusos; financiamentos nacionais e internacionais.

O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Acre, Bernardo Albano, tem visão oposta ao secretário Gaia. “Eu vejo com bons olhos”, afirma o promotor. “Pela complexidade que o tema e a região exigem, não consigo ver como podemos combater o crime de forma isolada. Essa ideia de fortalecer a atuação integrada é importante”.

O promotor Albano destaca ainda que uma das ações prioritárias do Gaeco é a descapitalização dos grupos criminosos. “Como o crime não reconhece fronteira, se faz necessário intensificar essa proximidade que está sendo construída com Bolívia e Peru, como ocorreu mês passado em Assis Brasil”.

Uma das dificuldades que o coordenador do Gaeco entende que precisa ser superada é a alta rotatividade dos servidores federais. “Isso acaba exigindo recomeços”.

Acre apresenta demandas ao Enfoc

Com exceção do Detran (que possui fontes de custeio específicas), os demais órgãos de Estado apresentaram demandas para serem atendidas pelo Programa de Enfrentamento às Organizações Criminosas. O destaque fica para o setor de Inteligência. Foi o mais citado entre os órgão que compoẽm o Sistema Integrado de Segurança Pública do Acre. Pelas demandas de alguns órgãos, como a PM, por exemplo, percebe-se que, na prática, a integração do sistema não existe.

Com apenas 26% dos internos sem relação com facção, o Instituto Sócio Educativo quer ampliar a segurança externa dos Centros Socioeducativos; melhorar as escoltas e criar um Núcleo de Inteligência.

O Corpo de Bombeiros quer reestruturar sala de aquisição de equipamentos; estruturar o espaço físico das salas administrativas e criar novas turmas dos projetos Bombeiro Mirim e Nadando com os Bombeiros.

A Polícia Militar do Acre também quer priorizar a Assessoria de Inteligência e Análise Criminal, tanto na Capital quanto em unidades do interior. A PM do Acre quer “estreitar relações” com as Agências de Inteligência (Abin, Exército, Polícia Federal e Polícia Civil), com o Ministério Público Federal, Estadual, Tribunal de Justiça.

O Iapen quer participação ativa no Núcleo de Inteligência Penitenciária; cumprimentos dos mandados de prisão rondas, apoio cooperativo com demais forças de segurança.

A Polícia Civil também pede reforço do Departamento de Inteligência; reestruturação e interligação dos laboratórios de lavagem de dinheiro; maior interação entre as agências de inteligência bem como com as delegacias dos Gaecos de todo país.

“Discutir Segurança Pública é discutir desenvolvimento”, justifica presidente do Fórum Empresarial

“José Adriano entende que papel do Fórum Empresarial é discutir a economia regional “em toda sua complexidade” – Foto: Sérgio Vale

O presidente do Fórum Empresarial de Inovação e Desenvolvimento do Acre, José Adriano, que também preside a Federação das Indústrias do Acre, tentava disfarçar um certo desconforto que o tema da quarta edição do Boletim Econômico causou. A sensibilidade que o tema Segurança Pública gera na arena institucional e política explica o desconforto. Mas Adriano fez a defesa usando a lógica. “Discutir Segurança Pública é discutir desenvolvimento”, justificou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

ac24horas: Por que um fórum empresarial quer discutir Segurança Pública?

José Adriano – E por que não? Discutir Segurança Pública é discutir desenvolvimento. Discutir desenvolvimento é discutir economia, qualidade de vida do trabalhador. Isso faz parte da agenda empresarial. O empresário não vive em uma ilha, isolado.

ac24horas: O que o boletim trata dessa relação?

José Adriano – Esta edição ainda não faz essa relação direta. Claro que isso está relacionado indiretamente. Mas os indicadores que podem evidenciar essa relação ainda serão objetos de análise em outras edições. O boletim desta vez trata do problema do aumento do tráfico de cocaína no Acre e as consequências negativas que isso gera.

ac24horas: Não causa nenhum desconforto para você tratar de um tema tão sensível ao governo?

José Adriano –  O papel do Fórum Empresarial é discutir a nossa economia em toda sua complexidade. Não se faz um trabalho desse do Boletim Econômico por capricho ou com intenção de criticar governo “X” ou “Y”. Não é algo específico para criticar a Segurança. É algo para entender o momento e superar dificuldades.

ac24horas: O empresário acreano parece estar distante dessa discussão.

José Adriano – Nós precisamos mudar essa visão obtusa. Precisamos estar atentos para aquilo que é estrutural. Qual o investimento estratégico? A resposta é: mais investimento nas fronteiras, mais capacitação dos nossos policiais. É preciso mudar nossa cultura e nos envolvermos em debates que têm relação com o que impacta as nossas empresas. Não podemos querer discutir segurança apenas quando temos problemas de furtos, roubos ou assaltos.

ac24horas: Com essa referência, então, é possível dizer que você está confiante de que o problema tem solução?

José Adriano – Eu estou confiante. Estou confiante de que o Governo Federal vai aplicar os investimentos que já anunciou, que são muito relevantes, do Minha Casa Minha Vida, e resgatar a cidadania de muitas pessoas.

fonre: ac24horas

By Ednardo