Neste 14 de dezembro, onde comemora-se o Dia Nacional do Ministério Público, vale lembrar sobre a campanha SOS Acre, do MPAC, que se pautou pela transparência e cuidado para com a administração das doações advindas da sociedade civil, empresas, artistas e de demais colaboradores à maior crise humanitária do estado. No início do ano, o Acre enfrentou Covid-19, dengue, crise migratória e enchente histórica.
Sábado, 20 de fevereiro de 2021. O Acre, que viu o céu azul se tornar cinza com os quase 100 milímetros de chuva diárias, vivia uma das épocas mais sombrias de toda a história. Mais de 120 mil famílias de 10 municípios acreanos que foram atingidos de alguma forma pela cheia histórica dos rios que cortam o estado, tiveram de sair de suas casas em busca de refúgio e segurança nas residências de familiares ou em abrigos improvisados em quadras esportivas e escolas.
Em meio ao caos, a situação continuava a piorar: naquele dia, contabilizavam-se 278 pessoas internadas em decorrência das consequências da pandemia de Covid-19. Em termos percentuais, mais de 90% dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) estavam ocupados, o que colocaria o Acre no ranking dos estados com os maiores índices de ocupação. Até aquele momento, 957 pessoas já haviam morrido pelo vírus desde o início da pandemia.
Foi neste momento que a dengue, velha conhecida do povo acreano, resolveu aparecer para assomar-se às mazelas já existentes. O sistema de saúde, que estava prestes a entrar em colapso com os altos índices de contaminação pela Covid-19, viu 80% das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ficarem congestionadas por pacientes que estavam com suspeita de dengue. Naquela época, já haviam mais de 8 mil casos suspeitos e cerca de 1,5 mil confirmados. Rio Branco e Tarauacá, dois dos municípios atingidos por cheias históricas dos rios Acre e Tarauacá, respectivamente, apareceram como os municípios com os mais altos índices de manifestação pela doença.
Além disto, uma crise migratória na fronteira com o Peru intensificou ainda mais a necessidade de o país olhar para o Acre de uma forma especial. Mais de 400 imigrantes, dentre estes venezuelanos e haitianos, tentavam fazer a rota inversa. Como o estado está em uma posição geográfica estratégica, a intenção deles era de atravessar a Ponte da Amizade, em Assis Brasil, que liga o estado ao Peru, e retornar aos países de origem, ou até mesmo de seguir caminho rumo a outros destinos na América do Sul. O resultado desta investida? A ponte virou um campo de refugiados, tendo em vista que em decorrência da pandemia, o acesso ao país vizinho por terra estava fechado desde março de 2020.
CALAMIDADE PÚBLICA
Diante deste cenário caótico e problemático, o Governo Federal resolveu decretar situação de emergência por 90 dias em 10 municípios do Acre no dia 22 de fevereiro, através de uma publicação no Diário Oficial da União (DOU), sendo estes Rio Branco, Sena Madureira, Santa Rosa do Purus, Feijó, Tarauacá, Jordão, Cruzeiro do Sul, Porto Walter, Mâncio Lima e Rodrigues Alves. Em quatro destes (Tarauacá, Rio Branco, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul), também houve suspensão de energia elétrica, tendo em vista a necessidade de se garantir o mínimo de segurança às residências que foram invadidas pelas águas.
No mesmo dia, o governador Gladson Cameli também decretaria situação de calamidade pública em edição extra do Diário Oficial do Estado (DOE). A situação era preocupante. O Acre não tinha para onde escapar, a não ser gritar por ajuda. Na época, inclusive, o chefe do Executivo chegou a declarar que o estado vivia em situação de guerra.
“O estado é pequeno, pobre e precisa-se do apoio das pessoas, principalmente do governo federal e unificar as instituições para que a gente chegue com atendimento imediato à população […] Estamos vivenciando uma situação como se fosse uma guerra”, disse.
SOS ACRE
A enxurrada de problemas que colapsou o Acre e que teve seu estopim no dia 20 de fevereiro, fez com que os internautas e o Ministério Público do Acre (MPAC) levantassem a campanha “SOS Acre”. Além de tentar chamar a atenção do restante do país para as condições precárias a que o estado se encontrava, a ideia consistia em fazer com que as pessoas se mobilizassem e ajudassem os acreanos da forma como fosse possível, seja colaborando com mantimentos, seja explicitando ainda mais o pedido de socorro.
Na ocasião, a procuradora-geral de Justiça (PGJ) do MPAC Kátia Rejane de Araújo Rodrigues, que foi acompanhar a entrega dos primeiros donativos, frutos da campanha, em Sena Madureira, falou da importância da união da sociedade diante da situação e colocou o órgão à disposição para ficar responsável na arrecadação de donativos a serem destinados às famílias.
“Estamos levando um pouco de solidariedade a essas famílias, uma palavra de conforto, e também o alimento que eles tanto precisam. Reafirmamos o nosso compromisso de continuar trabalhando incansavelmente para que, em união com o poder público e a sociedade civil, possamos superar esse momento dramático. Conclamamos a sociedade para nos unirmos em solidariedade e ajudar a quem mais precisa”, disse.
REPERCUSSÃO
Rapidamente, a hashtag #SOSAcre encabeçou a lista dos assuntos mais falados do mundo. Imagens mostrando a situação de municípios como Tarauacá, onde o rio Tarauacá inundou cerca de 90% da cidade, comoveu as pessoas, que queriam saber como poderiam ajudar.
A movimentação na internet chamou a atenção da imprensa nacional e de personalidades como o DJ Alok, que usou as redes sociais para se disponibilizar a ajudar na campanha. “Sem energia elétrica, sem água potável e ainda tendo que enfrentar o COVID em condições precárias. Alguém sabe como podemos ajudar?”, falou.
O impacto da campanha protagonizada pelo MPAC chegou não somente à classe artística como as cantoras Luísa Sonza e Preta Gil, e a personalidades como Luciano Huck, que usaram de suas respectivas influências para ajudar. O Submarino, uma das maiores lojas virtuais do país, também aderiu à campanha: a cada 1 real doado ao SOS Acre, a empresa doaria a mesma quantidade ao estado em contrapartida.
“Dessa forma podemos unir nossas forças e contribuir pra ajudar a população do Acre com alimentos, roupas, material de limpeza, itens de higiene pessoal, transporte de oxigênio e tudo mais que precisarem”, disse a empresa.
A Energisa Acre também aderiu à iniciativa do MP, doando geladeiras às famílias que perderam o bem para o avanço das águas. “É uma grande satisfação ajudar as famílias que passaram pela alagação. Levando equipamentos novos e eficientes a quem mais precisa. Dessa forma a Energisa Acre está contribuindo com as famílias acreanas que passaram por situações adversas nas áreas alagadas”, falou José Adriano Mendes, presidente da Energisa Acre.
Em uma rede de solidariedade, mais de 30 instituições, órgãos e empresas colaboraram na rede do bem que possibilitou que milhares de acreanos fossem beneficiados com a iniciativa do MP.
RESULTADOS
Em menos de uma semana, a campanha arrecadou R$577.452,98 através das doações realizadas por quase 5 mil pessoas. Os recursos, convertidos em itens de primeira necessidade, tais como alimentos, produtos de limpeza, itens de higiene pessoal, kits de proteção contra Covid-19, água mineral, colchão e roupas, foram destinados aos municípios de Sena Madureira e Tarauacá. A cheia dos rios nestes locais desabrigou e desalojou mais de 55,6 mil pessoas.
A situação, que continuou a sensibilizar empresários e sociedade civil, fez com que as doações, intermediadas pelo MPAC, continuassem a aumentar. O balanço, feito e divulgado no início de março, mostrou que mais de R$1,1 milhão foi arrecadado e que naquele instante, mais de 14 mil pessoas já haviam sido beneficiadas, dentre atingidos pelas enchentes e imigrantes na fronteira.
O diretor do Instituto Alok, Devan Bhaskar, falou que as informações sobre o que estavam ocorrendo no Acre as “tocaram muito profundamente”. A instituição foi uma das primeiras a procurar o MPAC e a colaborar com a campanha. “Nosso esforço, nossa doação modesta, a todos os povos do Acre, são apenas a expressão do nosso coração solidário a todos vocês nesse momento”, disse.
Os números por si só surpreendem. O socorro, que veio de toda a parte, resultou em R$1.600.052,76 milhão que foram convertidas em 91,8 toneladas de alimentos e 5.370 cestas básicas, 39.540 litros de água potável, 2.508 kits de higiene pessoal, 2.880 kits Covid, 150 cobertores de casal, 1.800 refeições, 1.099 colchões, 1.175 kits bebê, 3.649 kits de limpeza e 840 fraldas geriátricas. Com isto, 26.850 foram impactadas graças à intermediação feita pelo MPAC.
A promotora de justiça Pauliane Mezabarba comentou também que o MPAC lutou para dar luz às pessoas que enfrentavam situações sombrias. “O Ministério Público, por meio do SOS Acre, lutou para resgatar a dignidade dessas pessoas que foram atingidas gravemente pela enchente”, disse.
EMPENHO
Os recursos, no entanto, não se limitaram apenas aos atingidos pela enchente. Mesmo após a vazante nos rios e com a retomada gradual dos mais de 130 mil acreanos para casa, o MP continuou destinando doações ao sistema de saúde que seguia com pacientes internados por Covid-19 no estado. Em abril, com o decreto ainda ativo, foi assinado e formalizado a entrega de 132 cilindros de oxigênio para o tratamento dos acometidos pelo vírus em municípios como Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Jordão e Santa Rosa do Purus.
Na ocasião, a PGJ agradeceu o empenho das pessoas em contribuir para que o Acre pudesse sair da maior crise já vivenciada em toda a história. “Agradeço muito ao Brasil, que acreditou na SOS Acre, e possibilitou a entrega dos cilindros de oxigênio. Estamos buscando alternativas para passar por esta crise, que já dura mais de um ano, com menos dor”, disse.
E a aplicação das doações não pararam com a amenização das mazelas que assolaram o estado no início do ano. Em setembro, o MP utilizou o dinheiro que ainda estava em caixa para adquirir sacolões, água mineral, kits de higiene pessoal e outros donativos, e doar para casas terapêuticas do estado, tais como a Associação Beneficente Caminho de Luz, que realiza tratamento de pessoas com dependência química.
COMBATE AO ESTELIONATO
A atuação do MPAC não se limitou somente através da doação de itens de necessidade às famílias carentes dos municípios do estado. Em meio à crise, o órgão também teve de lidar com pessoas que usaram do momento de fragilidade para praticar atos ilegais.
Em parceria com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o MP conseguiu a prisão preventiva de dois criminosos em Manaus (AM) que criaram perfis falsos nas redes sociais e utilizaram cards adulterados da campanha SOS Acre, com chave Pix adulterada, para aplicar golpes.
No total, cerca de R$5 mil reais foram bloqueados nas duas contas. Um dos estelionatários, inclusive, também era suspeito de aplicar golpes durante a crise da falta de oxigênios no Amazonas, em 2020.
O promotor de justiça do MPAC, Fernando Cembranel, falou que a colaboração entre os estados do Acre, Amazonas e Pará foi crucial para que os delituosos fossem devidamente responsabilizados, tendo em vista que os perfis eram alimentados com postagens “buscando essas vantagens indevidas”.
“(A prisão) também serve de exemplo para que esse tipo de situação não aconteça novamente. Quem conhece um pouco da realidade das cheias, sabe da necessidade de contribuir para que essas pessoas tenham um pouco de alento e dignidade nesse momento difícil”.
DIGNIDADE
A transparência nas ações do MPAC, tanto com a aplicação dos recursos, como com a cobertura das entregas dos donativos nos municípios, foi crucial para que o Brasil tivesse ciência da situação a que o Acre se encontrava no início do ano. O “cenário de guerra”, assim adjetivado pelo governador Gladson Cameli, foi se desmantelando aos poucos graças aos esforços movidos pela SOS Acre.
Esta corrente de solidariedade beneficiou pessoas simples como a aposentada Deli dos Santos, de Sena Madureira, que descreveu a situação como “difícil”. “Deu água dentro de casa, quase um metro d’água, e nós ficava aqui mesmo porque eu acho muito difícil sair para as casas, a gente pega humilhação, não dá de jeito nenhum. Eu perdi diversos colchões dos meninos, três guarda-roupas e uma cama de casal (sic.)”.
Esta senhora está dentro das mais de 25 mil pessoas beneficiadas, que conseguiram contornar os mais diversos problemas que assolaram o estado no início de 2021 e que culminaram na maior crise humanitária da história graças ao MPAC. A solidariedade humana e o empenho do órgão fizeram com que a compaixão e o desejo por dias melhores mobilizassem milhões de brasileiros na campanha SOS Acre.
Em meio ao caos e à tristeza, a força de vontade de sair da época mais sombria da história do Acre foi o combustível mor para acreditar que o dia de amanhã seria melhor que o de ontem. Como dito na música “Dias Melhores”, da banda Jota Quest: “vivemos esperando dias melhores, dias de paz, dias a mais, dias que não deixaremos para trás”. Assim aconteceu. Os acreanos hoje olham para trás e veem, com gratidão, os esforços protagonizados pelo MPAC através da SOS Acre em prol do bem estar social.
FONTE: CONTILNET